Em janeiro de 2024, aquando da acusação de genocídio do povo palestino que o Estado de Israel teve que enfrentar no Tribunal Internacional de Justiça em Haia, a Alemanha constitui-se como « assistente » do processo. Asseverando a sua experiência na matéria, um porta-voz do governo alemão declarou que « à luz da história da Alemanha e do crime contra a humanidade - a Shoah -, o governo federal considera-se um particular defensor da Convenção sobre o Genocídio ».
Nesta sequência, considerou a Alemanha que as acusações « não tinham qualquer fundamento », eram uma mera tentativa de instrumentalização política da Convenção, assim tomando partido por Israel. Neste ensaio, Eyal Weizman mostra-nos a clara continuidade das ações de extermínio sistemático perpetradas ao longo da história pelo Império Alemão, pelo governo nazi, e que, agora, retornam em Gaza. Com efeito, nos três casos constatam-se as mesmas práticas de destruição, assassinato, expulsão e despossessão de território, de comunidades nacionais, étnicas e religiosas, vítimas de racismo, de colonialismo de ocupação e de erradicação.
O extermínio perpetrado pelo exército colonial alemão, as Schutztruppe [Forças de Protecção], na África do Sudoeste, atual Namíbia, no início do século XX, continua a manifestar uma perturbadora similaridade com o que aconteceu na Alemanha nazi e hoje na Palestina. O general Lothar von Trotha fora o responsável pela deshumanização, extermínio e pelas demais ações de « terrorismo absoluto » dirigidos aos povos Ovaherero e Nama, a que se somaram as de escravatura, deslocamento forçado e encarceramento das duas comunidades.
Muitos dos elementos-chave do sistema nazi - o extermínio sistemático de povos considerados racialmente inferiores, a implementação de leis raciais, o conceito de Lebensraum, recurso a transportes de gado para conduzir seres humanos para trabalhos forçados em campos de concentração - já meio século antes tinham sido utilizados na África do Sudoeste ». Hannah Arendt, nas Origens do Totalitarismo, já havia defendido que « O imperialismo europeu desempenhou um papel crucial no desenvolvimento do totalitarismo nazi e nos genocídios que lhe estão associados ».
Para Weizman, existem « claras continuidades entre os dois genocídios alemães », em contexto colonial e europeu. Trata-se do « efeito boomerang » de Aimé Césaire, que reconheceu « nas ações do fascismo europeu o retorno da violência colonial às metrópoles que lhe deram origem ». Agora, a violência abate-se sobre Gaza. Tanto Weizman como Didier Fassin consideram que existem « similaridades perturbadoras entre o que aconteceu na África do Sudoeste e o que está a acontecer atualmente em Gaza ».
Tendo a Alemanha reconhecido a sua responsabilidade em relação aos dois genocídios, o africano e o nazi, poderia e deveria esperar-se uma outra compreensão em relação ao que se passa em Gaza e na Palestina. Mas é o contrário que se verifica. A história do antissemitismo e a memória do Holocausto, enquanto sua base moral e « razão de Estado » desde o pós-guerra, a seus olhos defendem Israel de qualquer acusação genocídio.
Já os povos Ovaherero e Nama que, em 2015, por fim, obtiveram o reconhecimento de que em 1904-08 haviam sido vítimas de genocídio, manifestaram-se resolutamente a favor da ação movida pela África do Sul contra Israel, vendo o paralelismo entre o que atravessaram e o que se passa com o povo da Palestina, manifestando a sua total solidariedade em relação a este.
Em janeiro de 2024, aquando da acusação de genocídio do povo palestino que o Estado de Israel teve que enfrentar no Tribunal Internacional de Justiça em Haia, a Alemanha constitui-se como « assistente » do processo. Asseverando a sua experiência na matéria, um porta-voz do governo alemão declarou que « à luz da história da Alemanha e do crime contra a humanidade - a Shoah -, o governo federal considera-se um particular defensor da Convenção sobre o Genocídio ».
Nesta sequência, considerou a Alemanha que as acusações « não tinham qualquer fundamento », eram uma mera tentativa de instrumentalização política da Convenção, assim tomando partido por Israel. Neste ensaio, Eyal Weizman mostra-nos a clara continuidade das ações de extermínio sistemático perpetradas ao longo da história pelo Império Alemão, pelo governo nazi, e que, agora, retornam em Gaza. Com efeito, nos três casos constatam-se as mesmas práticas de destruição, assassinato, expulsão e despossessão de território, de comunidades nacionais, étnicas e religiosas, vítimas de racismo, de colonialismo de ocupação e de erradicação.
O extermínio perpetrado pelo exército colonial alemão, as Schutztruppe [Forças de Protecção], na África do Sudoeste, atual Namíbia, no início do século XX, continua a manifestar uma perturbadora similaridade com o que aconteceu na Alemanha nazi e hoje na Palestina. O general Lothar von Trotha fora o responsável pela deshumanização, extermínio e pelas demais ações de « terrorismo absoluto » dirigidos aos povos Ovaherero e Nama, a que se somaram as de escravatura, deslocamento forçado e encarceramento das duas comunidades.
Muitos dos elementos-chave do sistema nazi - o extermínio sistemático de povos considerados racialmente inferiores, a implementação de leis raciais, o conceito de Lebensraum, recurso a transportes de gado para conduzir seres humanos para trabalhos forçados em campos de concentração - já meio século antes tinham sido utilizados na África do Sudoeste ». Hannah Arendt, nas Origens do Totalitarismo, já havia defendido que « O imperialismo europeu desempenhou um papel crucial no desenvolvimento do totalitarismo nazi e nos genocídios que lhe estão associados ».
Para Weizman, existem « claras continuidades entre os dois genocídios alemães », em contexto colonial e europeu. Trata-se do « efeito boomerang » de Aimé Césaire, que reconheceu « nas ações do fascismo europeu o retorno da violência colonial às metrópoles que lhe deram origem ». Agora, a violência abate-se sobre Gaza. Tanto Weizman como Didier Fassin consideram que existem « similaridades perturbadoras entre o que aconteceu na África do Sudoeste e o que está a acontecer atualmente em Gaza ».
Tendo a Alemanha reconhecido a sua responsabilidade em relação aos dois genocídios, o africano e o nazi, poderia e deveria esperar-se uma outra compreensão em relação ao que se passa em Gaza e na Palestina. Mas é o contrário que se verifica. A história do antissemitismo e a memória do Holocausto, enquanto sua base moral e « razão de Estado » desde o pós-guerra, a seus olhos defendem Israel de qualquer acusação genocídio.
Já os povos Ovaherero e Nama que, em 2015, por fim, obtiveram o reconhecimento de que em 1904-08 haviam sido vítimas de genocídio, manifestaram-se resolutamente a favor da ação movida pela África do Sul contra Israel, vendo o paralelismo entre o que atravessaram e o que se passa com o povo da Palestina, manifestando a sua total solidariedade em relação a este.